quinta-feira, 8 de março de 2018

sigo tentando

Eu tenho tantos monstros que eu prefiro sempre mexer o meu drink com uma faca. O que isso evidencia? Sendo um representante ocidental do transtorno obsessivo compulsivo, o famigerado TOC, fica clara a metáfora. Essa angústia crônica que o cigarro só faz potencia. Desde a constatação de que existir é insuportável, de que perceber-se no mundo, vivo, em cima dessa grande esfera a girar sem fim no meio do nada. e o que é o nada senão todo esse vazio que existe dentro de mim, de você. Ser filho. Ser amigo. Ser namorado. Ser flatmate. Ser gay. Ser irmão. Ser tudo isso e a tragédia e a sorte de ter o libra em ascendente e “ter que”, precisar de se relacionar. Habitar todos esses postos com uma preguiça colossal e ainda sim ser, e nunca deixar de ser, e saber que se vai estar aqui nessa mesma esfera a girar por muitas e muitas voltas, transladando o sol, enquanto sofro, enquanto amo, enquanto rio, enquanto choro, enquanto amo um pouco mais e sou deixado como de costume, porque ter o coração dilacerado como uma coisa prosaica, comum a vida, é algo que sempre me fez maior, sem saber, porque me sentia menor, e ser inferior aos próprios olhos suscita qualquer coisa de nobre no fenômeno humano. E ter o ascendente em libra é ser deixado, pois há sempre o novo e na minha historia o novo é combustível dessa grande esfera que não para, que não cansa. e eu me canso muito, eu me canso sempre.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

resolução de um fim anunciado desde o início

Um clichê só é um clichê porque deu muito certo, tão certo, que foi repetido a exaustão. A coisa se torna gasta, esgarçada, desbotada de tanto ser repetida, mas no fundo, lá trás, na origem da coisa, na origem de tudo, ele, o clichê, estava coberto de razão, de verdade. Ele está apenas numa fase ruim, injustiçado pelo tempo gasto sobre ele. Um dia foi novidade. Um dia foi brilhante e talvez, assim como a moda, ele volte, renovado, ou mesmo como é, apenas num outro tempo, sobre novos olhares. Por isso, por mais que depois de tudo, depois de todas as coisas, por mais que já estejamos cansados de caminhar, de tentar e não conseguir, a homenagem mais linda a nós mesmos seria olhar para trás, para quando começamos, e ver, com nossos próprios olhos, o porquê de termos colocado nossos pés para fora de casa, assim, desse jeito, num mundo tão maravilhoso, num mundo tão cruel. Que força é essa que nos faz abrir os olhos? A olhar para o céu nublado, para o termômetro acima dos trinta e mesmo assim sair de casa todos os dias? Isso tem a ver com os nossos clichês, com as nossas crenças mais íntimas, que de tanto repetimos, esquecemos, porque esgarçou, desbotou, mas é aí, nesse ponto, nessa parede descascada pelo tempo que moram os sonhos, as nossas verdades irrefutáveis. Cabe a mim, a você, resgatar tudo isso do lixo, limpar, repintar as partes feias e seguir em frente. E isso é o bom da vida. Sem regras, sem mágoas. É ela como ela é. Fria e quente. Linda e feia. Estamos só de passagem. O mundo é antigo. Nós somos novos. Nós vamos embora logo e o mundo fica com o que deixamos para ele, com o que fizemos de nós mesmos.

segunda-feira, 30 de março de 2015

cancelem os domingos

eu precisava tirar tudo isso de mim, mas era domingo e aos domingos nada sai, nada. era o quinto dia desde que eu e você não éramos mais nós, desde que tudo o que iriamos ainda viver era o duro, cruel e inevitável fim. estava decidido. a tragédia montada. se agora nos encontrássemos sem querer no zona sul, teríamos apenas nada. nada perto de tudo o que tivemos. de tudo que a partir de agora não existe mais. porque a única coisa que existe é o agora. o resto é memória. e de resto, tá tudo bem.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

foice

almas gêmeas que não se reconhecem mais. gastas por tempos diferentes. conservadas em mundos diferentes. nunca mais serão os mesmos. e o -nuncamais- é demais para os que eram indissociáveis. eram. e só. difícil aceitar o fim. um casamento que morre, uma amizade que se vai. a última batata-frita no prato. o ruído do canudo que anuncia o vazio do copo. uma última mordida. engole. o amor. tudo termina. nós, bobos, continuamos, arduamente a tentar eternizar os nosso corpos.

linfonodos gráficos

escrevo a mão para sentir a dor e o peso de minhas palavras. uso caneta de tinta clara para dificultar minha vista astigmatizada. invento grafias que não são as minhas para não me reconhecer aqui. no fundo me odeio e isso dói, como um tumor linfático que não cria raiz. se espalha pelo corpo afetando múltiplos corações.

página da vida escrita no verso

tô sempre conferindo os bolsos. reflexo constante da minha obsessão. LEMBRAR. lembrar de tomar os meus remédios às onze da manhã. lembrar de não beber. lembrar de comer. de três em três. ou de duas em duas nos dias mais ansiosos. lembrar de não engolir sapos demais. lembrar de me amar, mesmo quando parecer ridículo. lembrar de não acreditar nos elogios dos deslumbrados. lembrar de fazer a barba. lembrar de não esquecer meus sonhos. lembrar de onde vim. lembrar de quem eu sou. lembrar de quem eu não sou. se é que há diferença entre os dois últimos. lembrar de ler. lembrar de ver. lembrar de escutar. lembrar de mim. e por fim, lembrar de te esquecer.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

since 1991

entre todas as dores dos amores perdidos existe uma sensação particular que nasce do íntimo de nós. algo como quando somos os últimos a ser escolhido para o time de futebol da aula de educação física quando estamos na quarta série, ou mesmo quando abrimos o pacote de pão de forma e só há a casca. um vazio que nada tem a ver com o outro, mas sim com uma -falta- intrínseca à nossa alma. esta sensação sempre nos põe num lugar infantil, nos transporta para a infância, porque é lá que moram os pontos de partida de todas as nossas angústias, é lá que está a resposta para aquela tristeza de domingo em plena terça-feira a tarde. motivados pela ausência de nada, buscamos justificar esta falta no outro, procuramos por quem sofrer, inventamos amores irreais que nos afetam de verdade, então vem a dor, gratuita, e justificada por alguém que chega para representá-la concretamente. um dia você está lá na vida e de repente se vê numa relação que talvez só exista para termos a quem culpar, a quem jogar nossa mágoa sobre o quão insuportável é existir. esta dor, que congênita, vem de fábrica. sempre esteve aqui. a criança que chora pelo pirulito caído ao chão, chora com a mesma dor que você, abandonado, as duas da tarde, espera o soar do seu iphone 4.

domingo, 6 de julho de 2014

contínua

eu tenho me tornado uma coisa. (amarga). cansada de tentar e não ter. (nunca). seja (amor). seja (trabalho). seja qualquer coisa que me dê em troca (alegria). tudo dura pouco. pouco o suficiente para que eu não sinta nem o gosto. do (amor). do reconhecimento. da (alegria). da (vida).

quarta-feira, 7 de maio de 2014

hélice

sonhei com você a tarde toda. você tentava confortar o meu fracasso relativizando o seu sucesso, me dizendo que o sucesso não trazia nada de novo, nada além de mais dor, mais angústia e mais tristeza. estávamos num lugar escuro, não por falta de luz, era uma escolha estética. sala soturna nuns tons marrons e cinzas, e eu me afundava num sofá confortável, enquanto você num plano superior ao meu, apoiava-se no braço do sofá. e dalí você estava linda, a escuridão de nossas almas contornava o seu rosto preenchendo apenas o que de belo havia nele. uma mistura de você e eu, amargos, em momentos distintos de vida. pela primeira vez você não cantou para mim, o que de certa forma me deixou mais a vontade, pois não precisei bolar comentários elaborados para satisfazer seu ego. foi um sonho bom, acordei ainda no meu -nada- diário. sem o que fazer comigo mesmo nesse sobrenatural que flutua sozinho no espaço. abri o facebook e haviam duas notifications suas. Nada relevante.