sexta-feira, 7 de novembro de 2014

foice

almas gêmeas que não se reconhecem mais. gastas por tempos diferentes. conservadas em mundos diferentes. nunca mais serão os mesmos. e o -nuncamais- é demais para os que eram indissociáveis. eram. e só. difícil aceitar o fim. um casamento que morre, uma amizade que se vai. a última batata-frita no prato. o ruído do canudo que anuncia o vazio do copo. uma última mordida. engole. o amor. tudo termina. nós, bobos, continuamos, arduamente a tentar eternizar os nosso corpos.

linfonodos gráficos

escrevo a mão para sentir a dor e o peso de minhas palavras. uso caneta de tinta clara para dificultar minha vista astigmatizada. invento grafias que não são as minhas para não me reconhecer aqui. no fundo me odeio e isso dói, como um tumor linfático que não cria raiz. se espalha pelo corpo afetando múltiplos corações.

página da vida escrita no verso

tô sempre conferindo os bolsos. reflexo constante da minha obsessão. LEMBRAR. lembrar de tomar os meus remédios às onze da manhã. lembrar de não beber. lembrar de comer. de três em três. ou de duas em duas nos dias mais ansiosos. lembrar de não engolir sapos demais. lembrar de me amar, mesmo quando parecer ridículo. lembrar de não acreditar nos elogios dos deslumbrados. lembrar de fazer a barba. lembrar de não esquecer meus sonhos. lembrar de onde vim. lembrar de quem eu sou. lembrar de quem eu não sou. se é que há diferença entre os dois últimos. lembrar de ler. lembrar de ver. lembrar de escutar. lembrar de mim. e por fim, lembrar de te esquecer.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

since 1991

entre todas as dores dos amores perdidos existe uma sensação particular que nasce do íntimo de nós. algo como quando somos os últimos a ser escolhido para o time de futebol da aula de educação física quando estamos na quarta série, ou mesmo quando abrimos o pacote de pão de forma e só há a casca. um vazio que nada tem a ver com o outro, mas sim com uma -falta- intrínseca à nossa alma. esta sensação sempre nos põe num lugar infantil, nos transporta para a infância, porque é lá que moram os pontos de partida de todas as nossas angústias, é lá que está a resposta para aquela tristeza de domingo em plena terça-feira a tarde. motivados pela ausência de nada, buscamos justificar esta falta no outro, procuramos por quem sofrer, inventamos amores irreais que nos afetam de verdade, então vem a dor, gratuita, e justificada por alguém que chega para representá-la concretamente. um dia você está lá na vida e de repente se vê numa relação que talvez só exista para termos a quem culpar, a quem jogar nossa mágoa sobre o quão insuportável é existir. esta dor, que congênita, vem de fábrica. sempre esteve aqui. a criança que chora pelo pirulito caído ao chão, chora com a mesma dor que você, abandonado, as duas da tarde, espera o soar do seu iphone 4.

domingo, 6 de julho de 2014

contínua

eu tenho me tornado uma coisa. (amarga). cansada de tentar e não ter. (nunca). seja (amor). seja (trabalho). seja qualquer coisa que me dê em troca (alegria). tudo dura pouco. pouco o suficiente para que eu não sinta nem o gosto. do (amor). do reconhecimento. da (alegria). da (vida).

quarta-feira, 7 de maio de 2014

hélice

sonhei com você a tarde toda. você tentava confortar o meu fracasso relativizando o seu sucesso, me dizendo que o sucesso não trazia nada de novo, nada além de mais dor, mais angústia e mais tristeza. estávamos num lugar escuro, não por falta de luz, era uma escolha estética. sala soturna nuns tons marrons e cinzas, e eu me afundava num sofá confortável, enquanto você num plano superior ao meu, apoiava-se no braço do sofá. e dalí você estava linda, a escuridão de nossas almas contornava o seu rosto preenchendo apenas o que de belo havia nele. uma mistura de você e eu, amargos, em momentos distintos de vida. pela primeira vez você não cantou para mim, o que de certa forma me deixou mais a vontade, pois não precisei bolar comentários elaborados para satisfazer seu ego. foi um sonho bom, acordei ainda no meu -nada- diário. sem o que fazer comigo mesmo nesse sobrenatural que flutua sozinho no espaço. abri o facebook e haviam duas notifications suas. Nada relevante.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

eu me acho

A minha maior loucura é ser louco na rua e são comigo mesmo. No íntimo sou o cara mais careta do mundo. Sou o sensor de meus atos a cada segundo de fala louca jogada na cara do mundo. Me odeio enquanto me amam. Amam esse louco que grita e pesa sobre os outros a sua sanidade íntima. Esta, que não é dívida, apenas um vazamento de mim, insano aos gritos no Leblon. Fujo para lá sempre para me encontrar comigo mesmo. Em casa sou tolo, bobo, em busca do nada, lacrado pela culpa cristã em simplesmente ser eu e apenas ser. Fujo em busca de mim mesmo, deste eu, que não me reconheço. Sou deus espiando meus irmãos pecarem. Julgo-os. Julgo-me. Num jogo de quem sabe mais. Estou superado. E tá tão chato. Nada basta, ninguém me basta. Sou maior do que tudo e nada me parece mudar. Tá todo mundo no mesmo ciclo datado e eu em espiral clichê sumo das vistas, sumo das vistas e não chego à lugar nenhum.

domingo, 30 de março de 2014

dor

acordei onze e poucos. segunda-feira sem planos. apenas a certeza de que nada havia a ser feito. vinte e dois anos e a realidade em ter dado errado. se aos treze me visse assim, no futuro, consideraria uma piada de mau gosto. jamais serei um fracasso, diria no auge de minha inocência mundana. triste fim do ator da vida, futuro opaco para o ator do mundo. um mar de possiblidades e um deserto de obstáculos. perdido e cansado. entrei numa. entrei nessa. me vejo esteticamente foda. só eu me vejo. então bebo. entorno a bagaceira no café puro. Fuga antiga, vovô me treinou. estou entre a vida poética na dor da fome e a vida faminta na dor dos sonhos. sou eu sozinho pulando um carnaval em agosto. solidão para sempre. dor que não acaba. Nunca.

segunda-feira, 17 de março de 2014

vai!

Ih! Olha ali! A sua auto-estima na mão daquele cara. Corre! Vai, menina! Pega logo, antes que o seu amor se vá! Nããão! Não falo desse amor! Falo do –seu- amor! O próprio! É! Aquele que nos faz sentir completos! Sim, até quando sozinhos. Principalmente sozinhos. E como é bom estar só! Corre! Não deixe o seu espelho se partir nas mãos daquele qualquer! Não deixe! Vai! Pegue-o de volta! Cate os cacos. Se precisar eu te ajudo a colar tudinho. Vai ficar como novo. Prefeito. Como seu. Próprio. Intransferível. Vai!