domingo, 6 de maio de 2012

Sem flores, brincou.

A morte já não era mais tabu. Perdi você na pior das circunstâncias. Perdi você em vida. Viva, ali em minha frente. Apesar de a morte ser de fato uma experiência traumática, esta ultrapassava todas as expectativas, até aquelas mais receosas, como as do filho ciente da mortalidade dos pais e que mesmo assim evita o assunto como o diabo a cruz. Perdê-la em vida era o pior que poderia ser vivido. A morte leva a materialidade e nos deixa com as lembranças, os sentimentos, marcas invisíveis que nos penetram mais do que ferida aberta. Você foi-se, mas só para mim, morreu de fato, mas ainda poderia um dia eu sem querer querendo atravessar a Bartolomeu Mitre e ver-te. Viver com a expectativa da chegada de alguém que nunca veio e já morreu. Abortei-te. Morreu no dia em que não foi ao meu encontro na livraria da travessa. Morreu no dia em que jurou amar e amou só para si, não compartilhou comigo o teu sentimento que era mais meu do que teu. Morreu no dia em que me agarrou e de súbito largou-me, lembrando-se dos conceitos da aula de ética moral na contemporaneidade segundo o evangelho de Mateus. Morreu de vez quando por uma súbita vontade momentânea escreveu-me feliz, requisitando a minha presença novamente em sua vida. Vesti então a minha capa das expectativas adolescentes, aquela mais gasta e antiga, a mesma que teimo em não doar. Fui até e cheguei. Esperei. E você fincou o teu ataúde em mim, bateu com a pá na terra fofa, apoiou o epitáfio, rabiscou palavras ilegíveis e por fim aplaudiu a si mesma. Palmas secas de um homem só, o homem que mais amor deu-te em morte. Sem flores, brincou.

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